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Há mais de dois
anos, quando postei a última matéria deste blog, foi justamente sobre ele que
escrevi. Na realidade, foi sobre sua genialidade, seu talento, sua visão
estratégica e sua onipresença nos detalhes do Cruise 2017 da Chanel,
diretamente de Cuba. Hoje, dois dias após sua morte, volto por alguns instantes.
Falei
e falo de Karl Lagerfeld. Ele, que por si só já era um acontecimento com seus
fios brancos, óculos escuros e atitude elegante, cravou uma marca inesquecível
na moda e ganhou tanta visibilidade e importância quanto a própria Chanel, que
comandou por mais de 30 anos. Era uma peça à parte e tinha autonomia para ser o
que quisesse ser, mesmo que isso lhe custasse caro (quem lembra do desfile-protesto ou das frases ácidas e desnecessárias?). Além disso,
também estava à frente da Fendi e de sua marca homônima com um fôlego invejável
que sempre me impressionou: multiplique uma média de 60 looks por desfile para
as temporadas de inverno/verão incontáveis (prêt-à-porter, Cruise e Haute Couture) das grifes e também ficarão se
perguntando de onde vinha tanta vitalidade.
Karl foi responsável
por revitalizar a Chanel de tal forma, que clássicos da marca (como o sapato Slingback ou a Classic Flap) voltaram ao mercado ou se atualizaram
conforme a passagem dos anos e continuam sendo objetos de desejo cada vez mais valorizados. Além disso, definiu como icônica logo os C’s
entrelaçados e encaixou de forma muito orgânica os tweeds e as pérolas,
retransformando a grife de Coco e fazendo, em suas próprias palavras, o “que
ela teria feito”. O olhar para o feminino, para a praticidade e para a fantasia
é, na realidade, a ponte entre a mulher livre do início do século XX abrindo
sua loja de chapéus e o kaiser excêntrico. Tenho certeza que Coco teria
assistido com um sorriso no rosto ao desfile (Haute Couture 2016) em que Karl
colocou costureiras da marca para receber aplausos, numa atitude de valorização
do talento das mãos de quem constrói verdadeiramente a moda.
O que é certo é
que Karl adorava criar. A criatividade sempre esteve presente em seu DNA, que parecia
se renovar a cada temporada quando ele nos apresentava um desfile em meio a uma
floresta de outono, dentro de um cassino de luxo, na orla de uma praia ou com
um foguete decolando em meio à fila final (tudo isso montado de forma
megalomaníaca dentro do Grand Palais). E não me canso de pensar que todo esse
excesso maravilhoso que enchia nossos olhos era sobra do que acontecia dentro
dele próprio. Afinal, sendo poliglota, fotógrafo e desenhista, adorando literatura,
história e arte, o produto final só poderia ser tão enriquecedor quanto sua
alma extremamente culta e artística. Para mim, que me descobri amante da moda enquanto
cursava o Ensino Médio e num país conservador e machista por excelência, Karl
era um arauto de um sonho muito distante e muito próximo.
Homenagear aqueles que passam por esta Terra e não passam em silêncio é
um movimento válido e, por isso, para Karl, exceções criativas podem ser
abertas: a de voltar a escrever neste espaço, inclusive, que só aconteceria quando
meu coração sentisse que seria o momento correto. Pois bem, voltei! Mesmo que só
por um momento e para dizer “adeus!” mais uma vez.
FOTO: Vogue